sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015




GRATIDÃO

Tu,que quiseste
fazer de mim um homem
ao jeito que imaginaste......
Tu,que tudo me davas
mas tudo me negavas...
Quase falhaste !

Tu,que me amavas
de um modo estranho
incompreendido,
cavaste a pouco e pouco
entre nós
um abismo desmedido .
Tu, que sonhaste
em mim,
um mundo de ideais,
na tua ambição de quereres mais,
não atingiste
a minha realização...
E num perfeito contraste
só tarde a compreendeste
só tarde a aceitaste.
Nós,que podiamos ter sido
tão amigos,tão iguais,
estivemos sempre
em contradição.
Tu,que eras todo coração
às vezes,
foste cruel de mais...
Eu sei que era amor...
Eu sei !
Mas dói pensar
que o amor dói tanto!
É por isso que neste desencanto
hoje te canto,
de forma tão sentida...
Da forma que me sai.
Deste-me tudo o que tenho
de mais belo:
A vida !!!
Obrigado,
meu pai !!!
(Humberto Sotto Mayor)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

PRIMAVERA

Vi hoje uma andorinha !
E as flores do meu jardim...
começam a abrir.
Os melros andam loucos
numa correria !!!

É tempo de alegria !
O sol nasce mais cedo
e o ocaso é mais tarde …
Os poentes começam a ser lindos...
Os campos estão floridos
e a relva verde!
As árvores florescem.
Tudo nasce , tudo cresce
sem canseira.
A terra cheira a vida
e a flor de laranjeira.
As aves fazem os ninhos
com desvelo , com cuidado...
E as andorinhas
vão sujando,
o beiral do meu telhado...
Que fosse assim todo o ano,
quem me dera ! Quem me dera...!
Que fosse assim todo o ano
uma eterna
primavera !
( Humberto Sotto Mayor)

AMIZADE

Tenho levado a vida a procurar
uma ajuda, um apoio ou um abrigo...
Alguém em quem eu possa confiar...
e seja na verdade,um bom amigo.


Um abraço sincero é invulgar
nesta vida tão cheia de perigo...
Ter um ombro onde possa repousar,
tenho tentado em vão e não consigo...

Ser amigo é mais que ser irmão...
E é muito difícil de encontrar
alguém leal capaz de dar a mão...

Alguém sincero e puro de razão,
por quem meu coração possa vibrar
e que seja incapaz de uma traição !
                       
                               ( Humberto Sotto Mayor )

SEXTA - FEIRA SANTA

Que cruz é esta meu Deus
que me fazes arrastar por toda a vida ?!
Que espinhos são estes...
cravados,
na minha carne sofrida ?!
Que cálice de fel
me obrigaste a beber !!!
E que amargura é esta
que sinto na minha boca ?!
E o grito que sai
da minha garganta rouca ?!
Que calvário !
Que martírio
e sofrimento !!!

Que tormento !
Que mal te fiz
assim tão grande
tão maior,
para ter que viver
tamanha
dor ?!!
( Humberto Sotto Mayor )

PENSAMENTOS

Às vezes penso que sou
às vezes penso que estou
por vezes penso que penso
...às vezes penso que sonho.
...
Se sonho não me convenço
da realidade em que sou
e quando penso que estou
por vezes não me pertenço.
Convencer-me do que sou
só se for em pensamento
porque não sei onde vou
nem aproveito o momento.
De tanto sonho sonhado
só me fica o sentimento
de tudo já ser passado
e ter voado no vento.
Por isso quando consigo
estar comigo aonde estou
sonho que tudo o que digo
é aquilo que não sou.
E nas palavras que escrevo
em poemas sem sentido
sinto que nunca me atrevo
a dizer, o que é devido.
Portanto sem comentar
fico-me assim…a pensar!
Humberto Sotto Mayor

DESTA JANELA

Daqui ,da minha janela
sinto o vazio do céu
e a dor do purgatório...!...
Vejo a serra,vejo os montes
e não vislumbro horizontes
onde vagueia o olhar !
Vejo a calçada pisada,
ouço a lira em oratório
e no silêncio a quebrar,
como se fosse velório,
vejo o teatro do Mundo,
pelos telhados sombrios.
que arrepiam meu pensar...
Vejo a lua
e o luar !
Vejo a vida,
vejo tudo...
Só não te vejo brincar !

( Humberto Sotto Mayor 

VIOLINO

- Toca,toca
meu menino...
- Toca o Bolero de Ravel !...
- Mãe,
essa música não cabe
nas cordas do violino !
-Toca as Czardas de Monti,
ou outra coisa qualquer...
- Mas toca !
- Gosto de te ouvir tocar...

E foi assim tanto tempo,
com amor,
a transbordar !...
Foi-se a voz !
Foi-se o olhar !
Foi-se o ouvido também,
mais o sonho de menino !
Mas ficou-me a recordar
apenas,
o violino !
(Humberto Sotto Mayor)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

QUANDO CANTA O ROUXINOL

FADO
Música de Alain Oulman

Quando canta o rouxinol...
sabem todos que ela passa
sabem todos que ela passa.
Naquela rua da Graça
em escadas de caracol
em escadas de caracol.

Muito ligeira e ladina
faz bailar a sua saia
não há ninguém que não caia
nas redes dessa varina
nas redes dessa varina
Muito ligeira e ladina
faz bailar a sua saia.
E lá vai ela descalça
com as chinelas na mão
com as chinelas na mão...
E a orvalhada no chão
sua beleza realça
sua beleza realça.
Madrigais em cada esquina
ela ouve quando passa...
E faz mesmo inveja à Graça
a graça dessa varina
a graça dessa varina.
Madrigais em cada esquina
ela ouve quando passa.
No seu avental bordado
há motivos de relento
há motivos de relento...
E os seus cabelos de vento
cheiram a mar e a fado
cheiram a mar e a fado.
Quando canta o rouxinol
sabem todos que ela passa
vai com ela a nossa raça
no brilho dado p´lo sol
no brilho dado p´lo sol.
Sabem todos que ela passa
quando canta o o rouxinol.
(Humberto Sotto Mayor )

TANGO

Danço !
Como quem dança
um tango sensual...
...
No remorso da saudade
os teus lábios de morango
dançam com os meus
uma dança virtual...
Danço!
Numa visão
de surdina e de pudor...
E danço na tua boca
a febre louca
em ondas de torpor !!!
Há no teu rosto
um gosto
de forma aberta...
E sei que a tua boca
neste tango
é uma palavra incerta ...!!!
( Humberto Sotto Mayor )

NAS MÃOS

Nas minhas mãos
prendo a madrugada,
em que tu estás...
em quase tudo
ou quase nada...
Enquanto no teu rosto
a luz se vai abrindo...
De rosa em rosa,
de boca em boca,
como louca
a lua vai sorrindo !...

Prendo nas minhas mãos
o teu desgosto...
E no silêncio
ouço o teu nome !
Não me peças palavras...
Elas são escravas
do meu pensamento!
Fico mudo!
E num momento,
desiludido,
vejo tudo !!!
Humberto Sotto Mayor-21 de Janeiro de 2013

SONHO DOADO

De onde vem o sonho
se não da ilusão ?
...
Sonhar,é muito incerto
muito vão !
Ter na mão um grão
é sonhar o infinito...
e na papoila vermelha
encontrar o grito !!!
No voo do pássaro
revejo o meu percurso
nítido !!
E é nesse olhar
que sinto escrito
o vento !!!
Passa o tempo
e o momento !
Tudo simples,
mas tão complicado...
Envolves-me num sonho
e vivo apaixonado !
Doar sonhos
nunca foi pecado !!!
( Humberto Sotto Mayor )

PALAVRAS

Não me digas ao ouvido
palavras meigas e doces!...
Gostava antes que fosses ...
a ternura que apregoas...
Vê como tu me magoas
com palavras já no vento
que não deixam marca ou rasto
e iludem meu pensamento
em que o meu sonho foi gasto.

Não me prometas amor,
transforma a tua oração
em ações cujo valor
me mostrem a realidade...
( O rouxinol quando canta,
lança um hino de aflição )

E as acções quando verdade
são muito mais poderosas
que a palavra dita em vão !...
Não me sussurres palavras
que ferem meu coração !...
Já não te peço mais nada,
deixa que o meu sofrimento,
na lucidez do momento
me conduza à realidade
em que a loucura já arde...
E em sensuais desenganos
não venhas dizer que é tarde
nem perturbes minha calma …
Que nestas coisas de amor
umas vezes sou só corpo
e outras vezes sou alma !!!
( Humberto Sotto Mayor )

NOSSA SENHORA DA PENHA

Nossa Senhora da Penha
que me fizeste trepar
ao mais alto do penedo...
para te vir adorar...
Nossa Senhora da Penha
que penas te vou contar ?!
Que penas tenho de conto
que contas do meu penar...

Nossa Senhora da Penha
porque me fazes chorar?
Que chôro Senhora Minha,
que tristeza ,que pesar...
Nossa Senhora da Penha
quando me vais ajudar?
Que silêncio tem o vento
já nem sussurra ao passar...
Que mais terei de subir
para melhor te alcançar ??
Nossa Senhora da Penha
o que me fazes cansar...!
Dá-me o ouvido e a voz
para melhor te cantar !!!
Com que voz Minha Senhora,
com que voz te vou louvar ?
Que eco é este que entendo
por essas fragas além ?...
É o eco da distância
que me separa de alguém ?
Que urze é esta que cheira
ao corpo do meu amor ?
E estes altos pinheiros
que me lembram nem eu sei...?!
Palavra,Senhora Minha
não foi amor que eu deixei ?
Que mais penedos subir,
que mais terei de correr ???
Para cantar o amor
que mais terei de sofrer ?!
( Humberto Sotto Mayor )
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QUANDO OS CÃES LADRAM

Adoro que os cães me ladrem...
Gosto de os ouvir ladrar !...
É sinal de que estou vivo...
na caravana,ao passar...
e sem ninguém magoar,
nem seguir caminhos tortos...

Adoro que os cães me ladrem...
Gosto de os ouvir ladrar !
Os cães não ladram aos mortos !!!
( Humberto Sotto Mayor )

AS RUAS EM QUE ME VEJO

Há ruas em que me espelho,
me desejo
e me revejo !...
Outras há,em que a tristeza
acarreta o meu anseio
de dias ensimesmados.

Lá ao fundo vejo
o Tejo
e beijo
o chão perfumado de alcatrão
que vai espreitando os navios
atracados ...
Há uma bandeira
desfraldada
num monumento
perene
E por um momento
solene
sinto a minha inquietude,
inocente,sem virtude,
pouco crente...!
Vem a lua...
E é na algazarra da rua,
da capela em promontório,
desse pequeno zimbório
e desse claustro velho,
que eu revejo
e desejo
as ruas em que me espelho
( Humberto Sotto Mayor )

PRECE

Cheguei
a transbordar de ti!
Corrias-me nas veias ...
e no pensamento.

Cheirei-te no orvalho
e afaguei-te no vento.
Estavas na urze,
no alecrim
e em toda a flor campestre!
Amadureceste nos figos
e na amora silvestre.
Andaste pelos penhascos
pela serra , pela areia
Senti-te bem presente
na lua cheia de Agosto.
Foste só minha
mas dei-te a toda a gente
Levei-te pela seara
apanhando caracóis
E foste vindima e mosto
E eras de linho e estopa
na noite dos meus lençóis!
Cheguei cheínho de ti
porque te tive a meu lado
Cantei-te como um poeta
Que sabe cantar o fado
E foste sino de aldeia
em alegria de festa
E triste, triste, tão triste
como em dobre de finados
( e se eu disser que te amo
dia-a-dia sempre mais?)
E arrastei-te pela água
e mergulhei-te no mar
e num veleiro de mágoa
te trouxe no meu olhar.
Em tudo o que foi palavra
em memória, pensamento
ou num gesto ou num sopro
numa raiz, numa árvore
num soluço, num lamento
te vi…
E até no sofrimento
me doeu a tua dor.
E digam lá
que não te tenho amor…
Tive ciúmes de ti
quando beijaste outra boca.
E andaste comigo ternamente
como louca.
Sinto-te agora mais perto
mais minha, mais completa
-É mais imenso o deserto
quando não se vê a meta…
Cheguei a transbordar de ti!
quero-te sempre a meu lado
Sê minha amante…
Ajuda-me a construir
o meu sonho descuidado.
Quero subir bem alto
contigo pela mão!
Exijo-o por condição!
Não me largues.
Não me deixes.
Sê comigo todo o dia.
És toda a minha razão…
Não me abandones
Poesia
( Humberto Sotto Mayor )

REVOLTA

Porque foi que acordei
deste meu sonho feito
de coisas abertas ?...
Ah,porque foi que esta sombra
que penetra na raiz
das minhas horas,
veio destruir a loucura
das minhas descobertas ?

Correm-me pela face
lágrimas de alguém...
Já não são as minhas,
nem as que chorei
por um futuro negativo
de passado !
Sinto um frio tão grande,
tão amargo,
que me apetece
não ficar calado !!!
( Humberto Sotto Mayor)

TORMENTO DE AMOR

Anda,
vem secar o teu cabelo
no meu peito......
Vem correr o mundo insatisfeito
e descobrir segredos de cristal...

Vem,
que o mundo é tão pequeno
para nós
e havemos de gritar a nossa voz
num hino de verdade e sofrimento !
E nem que seja só por um momento,
seca o teu cabelo no meu peito,
rola as tuas mãos nas minhas mãos...
Meu amor,
minha praga,
meu tormento !...
( Humberto Sotto Mayor)

CABEÇO DE VIDE

Aqui foi o começo
o ponto de partida...
Aqui neste cabeço...
conheci a vida !

Aqui foi a entrega
a lassidão...!
E logo de fugida
forjei o sol
num túnel de aragem,
sentindo a vastidão !
Aqui fundi a flecha
e a coragem...
Aqui meu corpo
perdeu-se na voragem .
E foi o lume,
a noite,
dançando na poeira...
Aqui perdi a alma
na canseira...
Aqui vibrei ao cheiro
da terra ressequida...
Aqui neste cabeço
começou a vida !
( Humberto Sotto Mayor )

AMOR INVENTADO

Era uma tarde de Verão...
Daquelas que nos penetram,
que doem como grilhetas...
em carne de torturados!
Mas o sol quente inundava
nossos corpos desnudadod.

Naquele areal imenso
de linhas que imaginava,
eram nardos ondulados
os dedos que eu agarrava...
Teu corpo esbelto,pedia
carícias que adivinhava...
Prolonguei aquele momento
saboreando a magia
da tua pele de cetim;
E a pouco e pouco senti
subir em mim o tormento
de ceder à tentação...
Toquei-te só na orelha,
depois beijei ao de leve
a tua boca vermelha...
E com um estremecimento,
deslizei a minha mão
p´la tua carne dourada...
-No amor só a verdade
tem a beleza sagrada-
(Senti teus braços abertos
na tarde que eu desfolhava )
Vibrei raízes de dor
criadas na imensidão
da força que me queimava...
Foi este amor que inventei,
naquela tarde de Verão,
de saibro,de mel,de cardo,
do cheiro das camarinhas,
de ar aberto,salgado...
Foi este amor inventado,
que me perturba a semente,
do que foi,do que há de ser,
de o viver e de esquecê-lo...
Foi assim a inventá-lo
que consegui fazer meu,
teu corpo
delgado e belo !!!
( Humberto Sotto Mayor )

INCÓGNITA

Depois o que será?
Depois da treva...
me cobrir o olhar,
o que virá?
Onde estarei, onde estarás?
Teremos mãe?
Teremos pai?
E os nossos filhos
por onde andarão?
Como serei, o que serei?
Terei idade? Ou não terei?
Seremos todos belos
para além da sombra?
Virá a luz? Virá a claridade?
Atingiremos finalmente
o cume da serenidade?
Seremos sol? Seremos lua?
Ou simplesmente um pardal
de rua?

E o nosso amor?
Os beijos que trocámos?
O bem ou o mal
que nos tocou
e tudo o que deixámos?
Seremos dois? Seremos mais?
Sejamos o que for.
uma alga, uma estrela,
uma flor…
uma gaivota.
ou alma ou vento, ou mar,
ou néctar, perfume,
ou cor?
Sejamos nada ou sejamos tudo
Mas num só amor!
(Humberto Sotto Mayor )

O AMANHÃ SOU EU

Não!
O amanhã sou eu !
Sou eu que hei de rasgar...
a tua carne
em pétreas chagas !
Sou eu que hei de crucificar
o teu ventre!
Sou eu que vou roçar as fragas
em que esculpiste
o meu presente...

Não !
O amanhã sou eu!
Sou eu que irei fantasiar
de sol nascente
as tuas mãos !
E esse teu corpo
decadente,
refulgirá de cio !
Não!
O amanhã sou eu !
Um amanhã agreste,
pardacento
e frio !!!
( Humberto Sotto Mayor )

OUTONO

Dança o Outono
como dono
dentro de mim....
Nele me encontrei,
nele me perdi...
Com as folhas caídas,
doiradas,
ressequidas
me construi.

Com o vento agreste
e as primeiras chuvas
me realizei.
Ele me deu das maiores alegrias
que sonhei...
Ele me enerva,
me entristece
e ensurdece.
E nele eu sinto que estou já!
Ai este Outono que me trouxe
e eu sei...me levará !!!
( Humberto Sotto Mayor)

RESISTÊNCIA

Não me insultem
nem me apontem...
Não há dedos...
que possam confrontar
minha vontade,
nem mastros
que possam suportar
minha bandeira.

Não me destruam,
nem me amordacem...
Não há razão
para calar a claridade !
Não há ódio,nem fuga,
nem abismo,nem morfina
que amoleçam
esta fé !
Sou eu,porque sou !
Eu porque nasci em mim
e cresci nas circunstâncias...
Não venham corvos
para devorar a minha esperança!
Creio em tudo o que é belo,
em tudo o que à luz me transporta...
Não quero ironias, nem sarcasmos !
Quero amor e amizade !
E vida !
Renego toda a paisagem morta !!!!
( Humberto Sotto Mayor)

CHUVA

Chove !!!
Chuva tão miudinha
que nem molha o chão !...
Ao menos me trouxesse a calma
me inundasse o coração...
Ao menos me lavasse a alma !!!
Mas não !
Apenas chove !
Quem dera que esta água que hoje cai
me devolvesse o encanto
que se esvai !!!
Quem dera que a vida
fosse
um só momento...
Mas pleno de encantamento !!!

(Humberto Sotto Mayor )

TROVÃO

Essa voz potente
que assusta e faz vibrar...
Esse choque de nuvens...
que deixaram de sonhar...
Essa luz em simultâneo
que anuncia uma certeza...
Essa água que vai beijando o chão...

Encantos medonhos da natureza !!!
Encontros de forças sem razão !!!
Quem viu uma trovoada como eu vi,
não tem medo apenas de um trovão !
( Humberto Sotto Mayor )

OS MELROS

Eu gosto muito de melros !
E nunca lhes faço mal...
...
São negros e luzídios
como dizia o poeta...
Mas conheço um melro branco
que é assim meio pateta
e vive no meu quintal,
que é uma espécie de País
de melros, sem qualidade...
Este melro é bem verdade,
não canta nem assobia;
e se fala,fala mal
que não percebo o que diz
nem a grande maioria...
E este melro é ladrão !
Come as couves e a fruta
come figos e ameixas,
come tudo o que apanhar
não ouvindo as minhas queixas...!!!
É um melro sabidão
que só não me come o pão
que o não tenho para dar...!
Este melro é um ladrão!
Não come carne graúda;
só come arraia miúda.
Minhocas e caracol.
Este melro é um ladrão
que me vai roubando o sol !
Com melro assim tão ladrão
que me anda a chatear,
vou perguntando a mim mesmo:
Como é que o hei de espantar ???!!!
Talvez um tiro certeiro
acabasse com a questão...
Mas então penso primeiro
não ser capaz de o matar...!
E assim vou aguentando...
Ele vai-se enchendo...
e eu a ver...!
Mas se eu gosto de melros,
o que é que posso fazer ?
( Humberto Sotto Mayor )

VEM GAIVOTA VEM

Vem gaivota vem
Vem num astro
vem num sonho...
vem num mastro
vem no frio
vem no tempo
vem no vento
vem no rasto de um navio

Vem no preciso momento
vem numa onda do rio
Faz o ninho numa fraga
vem na vaga
vem na voz
vem numa estrela de mar
vem no luar
que há em nós
Vem na triste melodia
vem num grito magoado
vem num cantar de agonia
e vem na asa dum fado
Se na hora da chegada
ainda ouvires o meu cantar
se eu tiver fogo na mão
e uma chama no olhar
leva a minha voz cansada
E pelo azul do mar
espalha o meu coração
(Humberto Sotto Mayor )

SANTORINI 46

Sonhei,
que atravessava a corrente
da minha vida diferente...
e vazia
que vivo neste momento ...

Há sonhos que são verdade
e roçam a fantasia
ao viajarmos no vento...
Eu acredito nos anjos
se o tempo é certo na idade
e numa estrela liberta...
Olho a paisagem aberta...
Põe-se o sol
vem o luar...!
Tantos anos
tanto mar
e tanto amor
tão profundo...!
Já não podemos deixar
que este barco

ao
fundo !!!
(Humberto Sotto Mayor-14/10/2013 )

A ROMÃ

Abro a romã !
E ávido...
exangue
sorvo-lhe a seiva
da cor do sangue...
E bago a bago
num doce afago
beijo seu corpo
de sensualidade !

Escorrem-me os lábios
cheios de ternura,
de liberdade..
E no seu sexo
corro a loucura
na noite escura
da fecundidade...
Vem outro dia
mais claridade;
vem a beleza
longevidade...
Vem a saúde
sabedoria...!
No seu encanto
assim me dou
na alegria desse cansaço
dessa nobreza...
Cobre-te a fronte
a realeza
e sempre a glória
do teu mandar...
Simbolo da vida
e da riqueza..
Minha romã madura
meu altar !
( Humberto Sotto Mayor )

PASSOS PASSADOS

Passaste por mim passaste
com passo tão apressado
que ainda estavas presente...
e já eras do passado...
Passaste como quem passa
assim descalço num traço
como quem passa na praça
ou passa sem dar um passo...

Quando passaste por mim
eras um pássaro
no espaço !!!
( Humberto Sotto Mayor )

ESCONJURO

Sape gato
carrapato !!!
Troca o pato...
p'lo xanato...
mete no tacho o sapato
e ferve a água com mato !
Manda enxutar o mulato,
põe a mistela no prato
e come tudo no acto !
Engole o sapo e o rato
cose as bainhas ao fato
esconjura o teu retrato
e se já não tiveres tacto
não armes mais desacato
tem-te manso e assim pacato...
Sape gato
sarapato !!!!

( Humberto Sotto Mayor )

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

HORAS PERDIDAS

Já passa das seis
e tu não vens...!
...
Tudo se perdeu
naquele encanto
que afinal
era só meu ...
Os passos incertos
perderam-se na areia
e como castelos
se desfizeram
em sonhos
de lua cheia...
Já passa das seis...!
Só um pardal me diz
que tu não vens
e que a vida continua
para lá da tua imagem...
E é nessa nuvem
de passagem
que sinto o veneno
do teu beijo...
Já passa das seis...
E no meu corpo
só o delírio
do desejo !!!
( Humberto Sotto Mayor )

O ELÉCTRICO 28

Numa viagem à toa
nesta cidade tão bela,
deslumbrando quando passa...
o eléctrico de Lisboa
vai da Graça até à Estrela
e da Estrela até à Graça...

E desce p'ra S. Vicente
que é de fora, mas está dentro
do coração desta gente !
E descendo um pouco mais
chega às Escolas Gerais
e curva às Portas do Sol...
E no casario de Alfama
Lisboa estende o lençol
na cama da nostalgia...
A luz de Santa Luzia
à cidade, dá um beijo
e o olhar estende-se ao Tejo
que se espraia ali ao pé...
Reza uma prece na Sé
e ao Santo Padroeiro
entrega-lhe o coração...
Cumprimenta a Conceição
e sobe a Baixa num salto...
Vai até ao Bairro Alto,
por vezes,cantando o fado...
Vê o poeta Chiado
que nos fez rir quanto quis...
Vê o Pessoa e o Camões
e fala c'os seus botões
passando p'lo Calhariz..
E depois desce a S.Bento
sempre assim desta maneira...
E cospe no Parlamento
que outrora foi um Convento
e hoje é uma lixeira...
Sobe depois a ladeira
que vai dar àquela Praça
e à Basílica tão bela...
E pronto ! Chegou à Estrela !!!
Este eléctrico da Graça
vai da Graça até à Estrela
vai da Estrela até à Graça !!!
( Humberto Sotto Mayor )

REBENTO DE ERVA

A água regou a areia
e o sol na sua teia
encheu de vida a semente ...
...
E veio a lua cheia
e no quarto crescente
o rebento rompeu
o solo,resplandecente !
Cresceu na orvalhada
abriu-se em desfolhada
cheirou a terra arada
e surgiu de repente !
Depois,foi a geada
e a força foi queimada,
mas ficou a semente...
Renasceu no esplendor
de brisas de calor
e sentiu-se beijada
por raios de luar...
Abateu-se no vento
resistiu no momento
de ser espezinhada!
Voltou a reviver,
encheu-se de alegria
e no verde magia
se deixou entreter !
Como o estio foi feroz
calou-se a sua voz
num triste fenecer !...
Mas vibrou a semente
na terra a palpitar...
E num doce gineceu
com a água do céu
voltou a germinar !!!
Em eterno renascer
entre a chegada e a partida,
assim é a nossa vida...
assim és tu e eu !!!
( Humberto Sotto Mayor) 

FLOR DE LÓTUS

Vejo-te na água
nadando de candura!...
É na tua pureza...
que eu encontro o bálsamo
para a minha noite
tão escura !

Inundas-me a alma
em ondas de ternura...!
Flor sagrada
elegante e bela !
Traduz sabedoria
a tua graça singela.
Vives fechada
ao mundo e à traição...
Libertas-me do mal !
Simbolo da Paz Divina
da luz espiritual
e da paixão !!
( Humberto Sotto Mayor )

NA IDADE

Queres saber a minha idade ?
Para quê ?
O que te interessa ?!
...
Tenho a idade que suporta esta cabeça,
a idade do sonho e da esperança
plena de paz,de serenidade...
A idade só se pergunta a uma criança
e os anos que passaram só deixaram
o sabor do saber e da experiência !
Posso falar de razão com consciência,
sem medos,sem entraves,sem prisão...
Extravazar o que me dita o coração
e olhar para trás sem arrependimento
sem um lamento,
ou paixão !
Tenho a idade que busca no perdão
ao esquecer a traição nesse momento !
Se não houve triunfo,pouco importa
esmago a ingratidão e a derrota
sem embargo,sem temor sem um remorso...
Eu tenho a força de remar conforme posso
no combate da angústia e desespero !
Sei o que anseio ! Sei o que quero !
Distingo todo o mal,toda a virtude...
E é no limiar da minha inquietude
que recordo com saudade um sonho antigo...!
Queres saber a minha idade ?
Não te digo !!!
( Humberto Sotto Mayor )

JANEIRO

Com vento, chuva e neve,
numa corrida breve,
com tudo o que se fez,...
com tudo o que se disse,
com chatice e chatice,
Janeiro está cumprido
e tudo resolvido ...!

( Humberto Sotto Mayor )

O POTE DE FERRO

Já nada me suaviza
o olhar...
Nem este pote de ferro...
que vejo junto à lareira
aquece o inverno
da minha canseira !
Nele depositei o bálsamo
de pétalas de flores
e nas cinzas,
a fragrância...
As chamas crescem alaranjadas...
Perdeu-se a minha infância
e foram-se as palavras já lavradas !

Cheira a terra molhada
a floresta húmida trespassada...
de rosas,amoras e jasmins
em tom magoado...
É neste abraço saciado
que me sinto escravo e cego !
Já não me aceito
nem me nego...
Sou fera enjaulada
neste rasto em que me encerro...
Como náufrago definhado
sobre fogo...
Como esse pote de ferro !
( Humberto Sotto Mayor )

MARGEM

Pertenço aqui
a este chão sem valor !
...
Nesta margem em que medito
tudo o que é dito
é escutado ...
Olho em redor
para o deserto dourado !
Gosto da luz na areia
que em noites de lua cheia
me enche de calor !
O pouco que valho
está em mim
num torno sem fim
moldado...
qual artesão
à margem da razão
que deixa o seu barro
inacabado !
( Humberto Sotto Mayor )

O ALAMBIQUE

Fecho os olhos de cansaço
destilando assim a bruma
no alambique da vida...
...
E como um lençol de espuma
cubro as trevas num abraço
e já não olho para o céu
nos dias cheirando a terra...
A manhã está diferente,
não brilha na emoção
da brisa que se perdeu...
E é nesta exaltação
que em descanso derrotado
espanto do corpo a fornalha
no silêncio que une os sons...
E por vezes quando calha
em momentos menos bons
nada há que se explique...
Vou decantando a muralha
no fogo do alambique !
( Humberto Sotto Mayor )

FADO NEGADO

Já não sou mar nem sou rio
já não sou fome nem frio
já não sou graça ou desgraça......
Já não sou povo nem rei
e já nem sei o que sei...

Já não sou eu ,sou alguém
num fado de ser ninguém
tão longe da claridade...
Já não sei aquilo que sou
se o sou,não sei porque o sou
e não o sou de verdade !
( Humberto Sotto Mayor )

REGRESSO


Regresso à minha casa
à minha rua
aqui me fico e tenho ...
bem no alto...
E é desta cidade de onde venho
que entorno a madrugada em sobressalto...
Regresso à montanha
a estes rios,
ao amor em segredo e esquecimento,
regresso às fomes e aos frios
que vivo sem querer neste momento !

Aqui há outras vidas
outro chão
há terras repartidas
outro abraço
há gentes de cansaço tão doridas
a socorrerem de amor o meu regaço...
Há odores que viajam na procura
nestas ondas eternas de loucura !
( Humberto Sotto Mayor )

BAILADA

Baila moça na toada
que a tua saia bordada
assim rodada ao revés...
faz-te bailar muita vez
com toda a rapaziada...

Baila o vira e o corrido
e com teu ar atrevido
de tuas leviandades
baila à hora das Trindades
que o teu bailado é vivido...
Baila,baila,baila,baila,
baila,baila,divertida
porque essa tua bailada
é a tua própria vida !
Baila,baila,baila,baila
e vai bailando ligeira
que este baile de abalada
não cabe na vida inteira...
Baila a Chula e o Malhão
como baila o coração
e no marcar do compasso
baila com o mesmo passo
no amassar do teu pão...
Baila,baila com o teu povo
que baila no seu labor
e veste-lhe um fato novo
um fato,de bailador...
Baila assim nessa canseira
de malhar trigo na eira...
Baila a charrua e o arado...
Baila o fandango marcado
que este baile,é o teu fado !
( Humberto Sotto Mayor )

OUTUBRO-ME


Outubro-me em Dezembro
quando me lembro
e nasço no momento...
em que as folhas caídas,
ressequidas,
são batidas
pelo vento !

Outubro-me no casamento
de lírios em botão
quando o canto do cisne
me fala ao coração...
Em Outubro a voz gravada
é pintada
em tons de sedução !!!
Fico caído,
sem prumo,
sem sentido
e sem ouvido
no grito que há em nós !
Outubro-me nas palavras
escritas
editadas
e criadas
sempre a sós !!!
E depois...
Outubro-me num cansaço
bem profundo...
E é em Outubro
que me Outubro
em viagens pelo Mundo !
( Humberto Sotto Mayor )

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Flor em Botão

Flor em Botão

Ser jovem
é procurar o infinito...
É querer viver a vida
de chofre,
num grito !...
É ouvir a voz dos sentidos
presente,
em todos os momentos
vividos …
É pensar que tudo é perfeito
e seguro,
sem renunciar o futuro...
É amar o presente
sem temor,
sem recear o amor...
É ser como uma flor
ainda em botão !...
É ter força
para percorrer
o caminho tortuoso,
sinuoso...

Olha em frente!
Sente !
Não fujas ao desejo
de um beijo …
Se és amado
cede a esse amor...
Não digas não...
A vida é sempre loucura
se ouvirmos o coração …!
Não temas a realidade
ela será mais doce
e mais profunda
se for vivida
em verdade !!!

Humberto Sotto Mayor

A argola

A Argola

Prender-te assim
como quem prende a chama !...
Como quem agarra um todo
de quem ama !!!

Prender-te a essa argola
para que o sonho não fuja
e no anseio que surja
não querer
perder-te !!!

Como a prisão,
sufoca nos teus lábios...
E como são sábios
esses trejeitos vãos …!

Prendo-te!
Assim,nas minhas próprias mãos...
à espera que o desassossego
desse jeito,
te prenda à argola
do meu peito !!!

Humberto Sotto Mayor - 27 de Janeiro de 2013